"Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, Não somos mais quem nós éramos." Martin Luther King

Não somos ainda o país que sonhamos.
Ainda estamos longe de ser o país que queremos.
Mas, com toda certeza, hoje somos um país melhor do que éramos a há oito anos.

Este blog é para quem não quer cruzar os braços e quer contribuir para deixar um Brasil
melhor do que encontrou.

Se você ainda está em dúvida entre qual modelo de governo é melhor para o país,
responda a esta pergunta: que país você quer deixar para o futuro:
Um país de todos ou apenas um país de poucos?

sábado, 16 de outubro de 2010

INQUISIÇÃO FORA DE ÉPOCA

por JURACY ANDRADE


Colocar a questão do aborto no centro dos debates do segundo turno da campanha eleitoral para Presidente da República é uma grossa sacanagem. Além de o Brasil ser, desde 1889, uma república laica (ao contrário do Império soi-disant católico), não é o presidente da República que legisla e decide sobre a descriminalização do aborto e em que casos pode ser praticado. Isso cabe ao Poder Legislativo, e a eleição para deputados e senadores já foi concluída no dia 3 de outubro.
Apressadinha e doida para ser “primeira dama” (que coisa cafona!), a mulher de José Serra, Mônica, definiu  para o eleitorado: Dilma “é a favor de matar criancinhas”. Nos últimos dias da campanha do primeiro turno, o aborto foi içado a principal tema. Não importa o enorme progresso do nosso país nos dois mandatos de Lula, nem o fato de a candidata petista pretender prosseguir nessa rota vitoriosa. Comunidades protestantes e também alguns bispos e padres católicos que são meros funcionários do Vaticano, e não pastores, empurraram a campanha para o terreno religioso, ignorando solenemente que temos um Estado republicano e laico.
Nem padres nem pastores que assim agem aprenderam com a história, com a Reforma de Martinho Lutero, com as guerras de religião que ensanguentaram a Europa nos séculos 16/17. Na Idade Média, aqueles que se julgavam proprietários da Igreja de Cristo mandavam também na política e nos negócios profanos, ou neles se imiscuíam. A Reforma de Lutero pretendeu acabar com essa confusão entre religião e política, com a venda da salvação praticada por pregadores de indulgências, com o império sinistro da Inquisição. Nem todos os cristãos (protestantes tradicionais ou de inspiração mais recente, neopentecostais, católicos) aprenderam as lições da história e continuam misturando política, governo com religião.
O candidato Serra nunca foi de ostentar religiosidade, mas agora, oportunisticamente, vive faturando bênçãos. Parece um congregado mariano de outrora. A campanha eleitoral da oposição descambou para a ferocidade, o preconceito, o ódio, a mentira, a calúnia. A questão do aborto guindada a arma eleitoral é a última esperança dos ultraconservadores para ganhar a eleição e retomar os projetos da época de Collor e FHC, de privatização ampla, geral e irrestrita (não tiveram tempo para privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa, sem os quais o Brasil teria se ferrado amplamente na recente crise mundial), de um Estado voltado única,mente para o bem dos privilegiados, de um tradicional e servil alinhamento com os interesses dos EUA e outros países ricos, etc.
O aborto como arma eleitoral é uma bandeira hipócrita, pois católicas e protestantes continuam fazendo aborto e, o que pior, as mulheres sem recursos o fazem por métodos duvidosos que as levam até à morte, em clínicas clandestinas que não se submetem a nenhuma fiscalização. Em vez da atual encenação, o que se deveria fazer é uma grande campanha de educação sexual e de planejamento familiar. Certo tipo de religioso não pode nem ouvir falar disso; embora todas as classes mais abastadas o pratiquem, deixando para as menos favorecidas o ônus de ter um monte de filhos de que não podem cuidar, ou de enfrentar o aborto clandestino.
O aborto é um tema delicado e não pode ser abordado a partir de dogmas, preconceitos, marketing eleitoral barato. Para além do aspecto religioso, é um problema de saúde pública. Pior ainda é pô-lo na ordem do dia de uma disputa eleitoral para presidente da República. Como vimos, não é o presidente que legisla sobre o tema. Isso tem de ser discutido seriamente no Congresso, independente de campanha eleitoral e interesses individuais ou partidários. Para protestantes (hoje ditos evangélicos; creio que todo aquele que segue o Evangelho de Jesus Cristo é evangélico) e católicos que não misturam religião com política, é uma vergonha ver bispos pregando contra a candidata Dilma e pastores entrando nessa onda inquisitorial fora de época.
Há, contudo, inúmeras exceções. O protestante Walter Pinheiro, eleito senador, que é contra a descriminalização do aborto, não demoniza Dilma: “O que nós defendemos, o que a Dilma defende é que a mulher que faz aborto, ao chegar às portas do hospital, não seja presa, mas atendida”.


Juracy Andrade é jornalista

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