"Nós não somos o que gostaríamos de ser. Nós não somos o que ainda iremos ser. Mas, graças a Deus, Não somos mais quem nós éramos." Martin Luther King

Não somos ainda o país que sonhamos.
Ainda estamos longe de ser o país que queremos.
Mas, com toda certeza, hoje somos um país melhor do que éramos a há oito anos.

Este blog é para quem não quer cruzar os braços e quer contribuir para deixar um Brasil
melhor do que encontrou.

Se você ainda está em dúvida entre qual modelo de governo é melhor para o país,
responda a esta pergunta: que país você quer deixar para o futuro:
Um país de todos ou apenas um país de poucos?

sábado, 30 de outubro de 2010

REFLEXÕES SOBRE O MOMENTO POLÍTICO

por  Pablo Ghetti 

Peço desculpas por escrever e-mail coletivo, mas, diante da gravidade da situação política atual, permito-me compartilhar reflexões políticas que podem informar escolhas difíceis e o exercício responsável do voto. Lembro que escrevo esse texto enquanto cidadão, em caráter pessoal, sem qualquer envolvimento do Itamaraty, onde trabalho. 
Desde seu início, mantive posição crítica ao governo do presidente Lula. Não me parece que essa experiência de poder tenha enfrentado diretamente, ou em tempo hábil, alguns sérios problemas que assolam a sociedade brasileira, como a política fisiológica, o oligopólio dos meios de comunicação de massa, os riscos ao caráter laico do Estado e os entraves estruturais à inovação e à ciência de qualidade. Passando ao largo desses temas, certamente polêmicos, e que merecem debate intenso no Congresso e fora dele, ou retraindo-se diante das reações negativas, o governo perdeu a oportunidade de constituir uma maioria real, calcada em maior conscientização e sensibilização da opinião pública e da sociedade civil e, portanto, capaz de defender seus méritos.
Apesar de todas as dificuldades, não tenho dúvidas de que a aliança que governa o Brasil representa grandes avanços que a diferenciam substancialmente de governos anteriores. A ascensão de Lula não foi apenas um símbolo de superação e amadurecimento político. Mais do que isso, seu governo foi marcado por compromissos sociais e por apostas democráticas no potencial do Brasil cujos precedentes são raros e insipientes. Em quadro de perplexidade em relação a modelos de sociedade aptos a transformar o Brasil, o governo compreendeu a correlação de forças do mundo contemporâneo e soube ser pragmático ao conciliar objetivos conceitualmente contraditórios, conforme esquemas aceitos até então, como combate à inflação e rápido desenvolvimento econômico, emprego com proteção social e aumento do mercado de trabalho, modelo exportador de commodities e expansão do mercado de consumo interno.
Proponho, finalmente, discutir dois temas que conheço bem: Defesa da Democracia e Política Externa (fiz mestrado e doutorado em teoria da democracia e trabalho agora com política externa, como diplomata), e que marcam a distância entre o período 2003-2010 e aquele imediatamente anterior. Essa comparação é fundamental porque José Serra esteve na linha de frente do governo tucano, enquanto Dilma Rousseff ocupou postos-chave no governo liderado pelo PT.

Defesa da Democracia

Parte significativa da imprensa e a oposição têm feito severas críticas ao que consideram ameaça à democracia no governo Lula. O argumento desse tipo sugere que a candidata Dilma constituiria risco ainda maior, em razão de seu “estilo” autoritário. Vale lembrar que Lula não hesitou em rechaçar os boatos de terceiro mandato, o que seria uma tentação óbvia, dada a ausência de sucessores naturais e dada sua extraordinária popularidade pessoal. Dilma, por seu turno, deu provas de compromisso com a democracia, de luta contra a ditadura, tendo coordenado ações do governo que não se cansam de procurar ouvir a sociedade em diversos fóruns, conselhos e conferências, cujo propósito é fazer com que as políticas públicas sejam mais que jogadas de marketing ou decisões de um líder incontestável. Tive oportunidade de ver isso ocorrer nas áreas de educação e de segurança alimentar e nutricional, em que se percebe um diálogo legítimo entre governo e movimentos sociais, que reconhecem seus papéis distintos, mas compartilham códigos discursivos e referenciais comuns, em poucas palavras: “falam a mesma língua”.
Ressalte-se que o histórico do PSDB e de seus aliados é bastante questionável nessa área. Em fins 1993 e 1994, ocorreu no Brasil um processo de revisão constitucional, previsto pela Constituição de 1988. Naquela época havia grande expectativa de que o Partido dos Trabalhadores seria vitorioso nas eleições presidenciais de 1994. E não foi por acaso que a maioria governista modificou o mandato presidencial de cinco para quatro anos, sem possibilidade de re-eleição, por meio da Emenda Constitucional de Revisão no. 5, de 7 de junho de 1994. Esse casuísmo gritante, às vésperas da eleição, não foi caso isolado. A Emenda Constitucional nº 16, que aprovou a re-eleição para os cargos do executivo brasileiro, beneficiando diretamente o Presidente Fernando Henrique Cardoso, data de 4 de junho de 1997, apenas um ano e poucos meses antes do escrutínio de 1998. Mais recentemente, José Serra, enquanto pré-candidato e depois candidato à Presidência da República, defendeu explicitamente o fim da re-eleição, em óbvia tentativa de sinalizar apoio ao projeto de Aécio Neves para 2014 e viabilizar maior coesão do PSDB nas eleições de 2010. Não me parece tratar-se de modo republicano de lidar com as instituições democráticas.
Penso a questão da re-eleição em sua dimensão política de mudança intempestiva e casuística das regras do jogo democrático. As muitas alegações de corrupção e compra de votos no Parlamento, dominado pela aliança PSDB-PFL (esse último, o nome antigo do Democratas), deveriam ter sido mais bem investigadas. No entanto, não acredito em paladinos da moralidade; não são úteis à democracia, pois reduzem instituições e procedimentos à vontade dos “homens de bem”. A corrupção não é novidade em nenhuma democracia (alguns defendem mesmo que a corrupção seja constitutiva da democracia, na medida em que valores tradicionais se esgarçam e se perdem referenciais de ética em sociedades modernas e complexas); o que importa é fortalecer os mecanismos pelos quais uma nova ética pública, ainda que sempre precária, seja constituída, informada por instituições abertas à crítica e à possibilidade de reformas. É preciso analisar como funcionaram as instituições capazes de investigar e punir crimes e irregularidades e defender a Constituição.
A Polícia Federal (especialmente sob o comando de Márcio Thomaz Bastos, então Ministro da Justiça, e o Ministério Público Federal, e seus procuradores-gerais escolhidos pela própria instituição, têm dado mostras de isenção e grande ativismo nos últimos anos, o que contrasta com a lentidão e os constantes arquivamentos no Ministério Público sob a égide de Geraldo Brindeiro. A primeira votação feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República para formar a lista tríplice ocorreu em 2001. Os mais votados foram os subprocuradores-gerais Antonio Fernando de Souza, Cláudio Fonteles e Ela Wiecko Volkmer de Castilho. O presidente Fernando Henrique Cardoso recusou os nomes. FHC preferiu reconduzir, pela quarta vez, Geraldo Brindeiro ao cargo de procurador-geral. À época, Brindeiro ganhou o apelido de “engavetador-geral da República”. O presidente Lula, apesar de não ser obrigado a seguir a lista da ANPR, prestigia desde 2003 os indicados pela instituição.
Vale lembrar que o governo FHC contou com ampla maioria no Congresso Nacional, podendo valer-se de inúmeras reformas constitucionais, do instrumento das medidas provisórias, coibido apenas em 2001, e vencendo as eleições, ambas as vezes, já no primeiro turno. Mas a grande imprensa brasileira não considerou nada disso um risco à democracia. Ora, sempre haverá riscos à democracia, e a sociedade deve estar em constante alerta, porém tais riscos não podem imobilizar a ação política, nem impedir a discussão de temas polêmicos.
Costuma-se falar, nesse sentido, que o governo Lula cerceia a liberdade de imprensa ou que tenta controlar os meios de comunicação social de massa. Na verdade, o governo enfrenta muitas resistências ao tentar aprofundar o caráter republicano e democrático de nosso sistema de comunicações. Tornou-se um tabu sequer discutir um novo marco regulatório do setor, quando o mesmo poderia ser construído de modo democrático, com o fim de tornar o acesso à informação mais amplo e sem qualquer atentado aos contratos existentes ou à liberdade de expressão. De certa forma, houve um avanço importante com a criação de empresa pública (não-estatal), sistema previsto no art. 223 de nossa Constituição. O sistema público presta contas à sociedade e não ao governo, como é o caso da Empresa Brasil de Comunicações (EBC), que segue o modelo bem-sucedido da Corporação Britânica de Difusão, a BBC, unificando e gerindo a Radiobrás e as emissoras federais já existentes sob um novo marco de controle social. Faz parte da democracia criticar a própria democracia, buscar mecanismos de seu aperfeiçoamento, assim como deve fazer parte dela a crítica a seu elemento constitutivo, a imprensa.


Política Externa


Aqui o divisor de águas é desconcertante. Com base em melhor compreensão da correlação internacional de forças e em crença permanente no potencial do Brasil, os condutores da política externa nacional enfrentaram com altivez os grandes temas que afligiam o Brasil. Foi relativizada a a fé do governo FHC em organismos multilaterais como ONU e OMC e na relação sempre preferencial com EUA e Europa, buscando-se abordagem mais pragmática que identificasse e conciliasse melhor os princípios e os interesses da sociedade brasileira. Façamos um apanhado:
A Área de Livre  Comércio das Américas (ALCA), que representaria grandes perdas para o projeto  de um Brasil e de uma América Latina soberanos e prósperos, foi exitosamente  enterrada. O governo FHC parecia inclinado a buscar algum tipo de acordo com  os EUA, que permitisse a entrada em vigor da ALCA. Os setores industriais e de  serviços teriam sido afetados de forma quase irreversível.
A Rodada Doha de  negociações da OMC encontrou a firmeza de propósitos de um grupo que  transformou a própria gramática dos arranjos políticos no âmbito daquela  organização: o G-20, que reuniu países de agricultura de subsistência e  grandes países exportadores em desenvolvimento para contra-arrestar o domínio  da pauta e das decisões que exerciam Europa e EUA.
Novas embaixadas foram  abertas ou reabertas em inúmeras capitais da África e da Ásia. Essa ênfase em  relações bilaterais com o mundo em desenvolvimento garante presença e  informação de primeira-mão em ambientes cada vez mais cruciais para o  desenvolvimento econômico mundial. Além disso, nossa capacidade de barganha  frente às potencias ocidentais, sem dúvida importantes, aumenta  consideravelmente na medida em que temos outras alternativas de comércio,  intercâmbio, cooperação e investimento. Essa política também atende à  reivindicação histórica de maior integração com a África e com a América  Latina, regiões que compartilham conosco uma identidade, uma história de  colonialismo, culturas, religiões e populações.
Novos grupos foram  criados para reinserir o Brasil no mundo de forma mais soberana e capaz de  promover os seus interesses sem idealismos estéreis:
O IBAS, articulação  internacional de Brasil, Índia e África do Sul, representa uma aposta  principista em valores democráticos comuns e também a consciência crítica  do lugar que tais nações ocupam na hierarquia de poder do mundo, bem como  a capacidade delas de lutar, conjuntamente, por sua superação.
O BRIC, grupo que  reúne Brasil, Rússia, Índia e China, busca explorar áreas de cooperação  entre grandes economias que tendem, permanecendo no rumo certo, a exercer  cada vez mais influência na economia global.
As cúpulas que  reuniram os países da América do Sul e os países árabes abriram um campo  promissor para o engajamento da sociedade brasileira, resgataram uma  importante herança constitutiva de nossa nacionalidade e inseriram o  Brasil e a América do Sul num jogo que é definidor do escopo de ação das  grandes nações.
As cúpulas que  reuniram América do Sul e África desempenharam papel semelhante e forjaram  relações que não apenas abrem mercados para o Brasil, mas, sobretudo,  contribuem para o desenvolvimento sustentável africano, interessante para  o Brasil no longo prazo, especialmente com padrão inovador de cooperação  técnica nas áreas de agricultura, energia, biocombustíveis, educação e  medicina.
O início do fim do  G-8 e sua paulatina substituição pelo G-20 financeiro, por definição mais  inclusivo, não ocorreram sem a posição convicta do Brasil de que um novo  espaço, em que tivéssemos participação integral, fosse estabelecido (no  G-8 éramos convidados, porém devíamos chegar quando os debates  fundamentais já haviam sido travados).
A União das Nações  Sul-americanas (UNASUL, de 2004)) deu expressão concreta ao desejo de  integração física e cooperação política dos povos de nosso continente.
A primeira Cúpula  dos Estados da América Latina e do Caribe (de 2009, na Costa do Sauípe,  Bahia) constituiu novo espaço de discussão valioso de um grupo de nações  que se vê em situação similar no contexto de globalização econômica e  cultural, e em posição semelhante diante da riqueza de seus vizinhos ao  norte do Rio Grande (que separa o México dos EUA).
O Brasil não se furtou  a atuar com coragem e independência no Conselho de Segurança das Nações  Unidas, acreditando na sua capacidade de negociação, no que representamos de  novo no jogo de poder tradicional e em nossa competência diplomática. No que  diz respeito à questão nuclear iraniana, o resultado foi um acordo entre  Brasil, Turquia e Irã (a Declaração de Teerã) que será lembrado sempre como  tentativa digna de evitar a guerra, ou mais propriamente, de evitar o desenho  de um caminho de sanções e reprimendas que geram radicalização de ambos os  lados e aumentam sobremaneira o risco da guerra. Por um lado, caso a guerra  ocorra, o acordo terá sido a prova de que havia uma alternativa. Por outro,  caso um acordo abrangente com o Irã seja alcançado, é inevitável que elementos  da referida Declaração sejam utilizados. E nos momentos de indefinição, como o  atual, a ação brasileira constitui exemplo de que é perfeitamente possível  discutir racionalmente com os líderes iranianos e que uma atitude de  cooperação é mais produtiva que a arrogância dos ultimatos.
É por tudo isso, e por todas as conquistas do governo Lula, que defendo a candidatura Dilma 13. A alternativa do PSDB-PFL/Democratas não pode representar a continuidade de nossas conquistas recentes, apesar de discursos falaciosos que fazem tudo parecer uma questão de gerenciamento dos atuais modelos e programas, que dependeria da experiência ou da competência dos líderes. Há diferenças de fundo, que não podem ser reduzidas sem estelionato eleitoral, e que passam por compreensões díspares do lugar do Brasil no mundo, do potencial de desenvolvimento e igualdade da sociedade brasileira e do papel do Estado em nosso espinhoso caminhar de emancipação social e econômica. Essas diferenças, por seu turno, podem refletir-se em oportunidades ou entraves para a vida digna e a autonomia de milhões de brasileiros. Aos que votaram nulo, se abstiveram, optaram por Marina, ou por outros candidatos da esquerda, faço um apelo sincero para que não deixem de fazer a escolha por um dos dois projetos conflitantes que se apresentam hoje ao Brasil.



Um abraço a cada um e bom voto,



Pablo Ghetti

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